Opinião: Sayonarah
Ana Pamplona (de Formiga)

Naquele dia, Sayonarah chegou em casa bem depois do horário habitual. Ficara presa no trabalho até tarde, pois sua patroa das sextas-feiras lhe pedira para ficar de companhia até que sua filha chegasse. Prometeu que pagaria as horas extras. Será?
Na semana anterior aconteceu a mesma coisa, porém, com a patroa das segundas-feiras. Ela lhe pediu para ficar com as crianças — três “anjinhos” — pois chegaria mais tarde do trabalho naquele dia. Muito mais tarde, diga-se de passagem, uma vez que apareceu somente depois das onze, fato que a impediu de ir para casa devido à falta de condução. E o mais interessante é que a bendita chegou com roupa diferente da que saíra às sete da manhã e nada de pagar pelo extra.
“Que vida besta”, pensou depositando a enorme bolsa no chão da sua cozinha. Sentou-se numa das cadeiras cambetas de sua mesa e suspirou. Começou a pensar na vida. Passava mais tempo atendendo aquelas patroas descontroladas do que em casa cuidando de sua vidinha. Trabalhava de segunda a sábado como diarista e quando lhe sobrava um tempo, era para limpar sua própria casa, sempre aos domingos, “o dia de ver Deus”, como ela chamava ir à missa das 10h. Ela amava sua Igreja, seu padre, suas rezas para os irmãos perturbados e outros trabalhos assistenciais. Sua religião era o sentido da sua vida desde que Ismael, seu segundo marido, saíra de casa para morar com a amante. Por esse fato, entrou num estado depressivo por um longo período e, além disso, estava diabética. Sem contar a tragédia que foi o primeiro casamento com o Vilson. Alcóolatra, violento, preguiçoso, “meu Deus, valei-me! “, arrepiava-se só de lembrar aquele período. “Graças a Deus fiquei viúva! “ Pensou isso e rapidamente arrependeu-se levando a mão à boca, sendo que nem havia falado. Ela tinha medo de pensar, pois o Padre Tito havia dito em seu sermão do último domingo:
— Meus irmãos, cuidado com o que pensam! Os nossos pensamentos são como flechas, uma vez lançados não têm volta. Se estamos sozinhos e falamos, ninguém nos ouve, só Deus. Mas os pensamentos são lançados para o infinito e é um perigo chegar em pessoas e lugares errados.
Sayonarah não entendia bem como aquilo podia se dar, mas teve medo. “Vai saber, com as coisas de Deus não se deve brincar.”
Levantou-se e passou um café. Ah, que maravilha, o café! Café é coisa de Deus, pensou. Mesmo com adoçante. Açúcar, havia abolido da sua dieta, ficava horrorizada só em lembrar da ameaça da sua médica:
— Mulher, você quer tomar duas injeções de insulina por dia? Quer ficar cega? Quer ter problemas de rins? Quer morrer? Diabetes não é brincadeira!
Sayonarah estava com a glicemia em completo descontrole. Encontrava-se tão magra, que fazia dó. Pensava, “como podia uma magricela como eu, estar com tanto açúcar no sangue? Por que a danada da glicose não vai para as minhas gorduras? Engordar um tiquinho não seria ruim. “ A vida toda fora miúda, e isso sempre lhe causou aborrecimentos quando criança. Ganhou muitos apelidos e o que mais detestava era Sayonarah-Bicho-Pau. Por causa da pele negra e da magreza. Pois, agora tornara-se a Sayonarah-Bicho-Pau-Diabética. O pior de tudo era não ter carne fofa em seu corpo e também, não poder comer sua goiabada com leite. Pensou nisso e a boca salivou.
— Não, doutora, imagina, quero não, claro que não! — respondeu arregalando os olhos, a diarista assustada.
— Então vamos combinar de fazer a dieta direitinho e exercício físico, heim?
Ela concordou, pois não queria morrer agora. Precisava ajudar dois dos três filhos cursarem a faculdade. O terceiro não queria. Não gostava de estudo. Muito bem, que seja. Os dois mais velhos iam estudar se dependesse dela. Para ela, estudo era a coisa mais importante da vida. Pessoa estudada era outro nível. Ela, Sayonarah, não tivera essa oportunidade devido à falta de condições financeiras, mas agora, as coisas eram diferentes. Não sabia como iam pagar os estudos, pois o aluguel era caro para os quatro, as despesas aumentaram desde que a namorada de Samuel, o filho mais velho, veio morar com eles. Estava grávida. Iriam ficar lá até terem condições de se mudarem. Filhos... Melhor com eles, ou sem eles? Bateu na boca de novo. Aproveitou a lembrança e rezou por seus meninos. “Jesus, abençoe e proteja meus filhos de todo o mal, onde estiverem, Senhor. “
Abrindo os olhos, percebeu que já eram 20h! Precisava se apressar para não perder o grupo de oração! Haviam muitos irmãos em aflição esperando pelo apoio espiritual dela. E tinha o Romeo, a promessa de um novo relacionamento. Provavelmente, já estaria esperando por ela no salão da igreja, para rezarem juntos por um mundo melhor.
Sayonarah sorriu e pensou: “ô vida besta, meu Deus”... bateu na boca novamente e apressou-se em tomar seu banho.