Opiniâo: Sonhos e pesadelos do Carnaval

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho

Opiniâo: Sonhos e pesadelos do Carnaval
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho é advogado.




 ‘A vida oscila como um pêndulo, entre o tédio e a dor’. (Schopenhauer)


         Após a euforia, a conta chega – e, muitas vezes, de forma drástica.
         O Carnaval talvez não agrade a todos. Mas, gostando ou não, é impossível ignorá-lo. Ele chega como uma onda avassaladora, inundando ruas, avenidas e salões com cores, ritmos e multidões em êxtase.

         A festa, tão enraizada na cultura popular, tem origens que remontam à Antiguidade. Seu nome deriva do latim clássico “carnem levare”, que significa "retirar a carne", em referência ao período de jejuns que antecedia a Quaresma no calendário cristão. Mas suas raízes são ainda mais antigas. O Carnaval tem laços profundos com os rituais pagãos de celebração à fertilidade e à renovação, herdados de festividades como as Saturnálias romanas e as Dionisíacas gregas, nas quais o povo, por alguns dias, entregava-se ao prazer, à música e ao vinho, desafiando as normas e promovendo a inversão de papéis sociais.

     A herança mitológica também se faz presente. Entre os deuses da irreverência e do deboche, destaca-se Momo, filho do Sono (Hipnos) e da Noite (Nix), cuja missão era zombar dos outros deuses e expor suas imperfeições. Banido do Olimpo por suas críticas mordazes, tornou-se símbolo da ironia e do sarcasmo, espírito que ainda hoje paira sobre o Carnaval. Pois a festa, ao mesmo tempo em que exalta a alegria, traz em si um sopro de melancolia, um lembrete de que toda euforia é passageira e que, ao fim dos dias de folia, restam a ressaca e o retorno à rotina.

         No auge do Carnaval, a multidão vibra, canta e dança. No salão, ao som de Máscara Negra, imortalizada por Zé Kéti e eternamente entoada nos salões, Arlequim chora por Colombina, mas ninguém percebe. A melodia nostálgica surge entre serpentinas e confetes, mas o que importa é o frenesi, o brilho, a ilusão momentânea de uma liberdade sem amarras. O espírito de Momo está vivo, soprando ironias sobre aqueles que se perdem entre o êxtase e o excesso.

         Mas nem tudo são confetes e serpentinas. O Carnaval tem seus encantos e suas sombras. De um lado, a grandiosidade cultural, o espetáculo das escolas de samba, a arte expressa nos blocos, na música, na dança e na criatividade popular. De outro, os riscos da permissividade desmedida, da violência, dos arrastões, dos acidentes, da embriaguez que apaga limites e compromete vidas.

         O desafio está no equilíbrio. O Carnaval pode ser um tempo de festa, mas também de respeito. Respeito às diferenças, às escolhas, aos limites. Um tempo para celebrar sem destruir, para viver sem ferir. Pois a verdadeira alegria não se mede pelo volume do som ou pelo exagero da festa, mas pela leveza da alma ao amanhecer da quarta-feira de cinzas.

         E então, sob a névoa das cinzas da quarta-feira, os Carnavais adormecem, levando consigo seus sonhos – até que novas histórias venham despertá-los.

        

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho é advogado

luizgfnegrinho@gmail.com