Opinião: TEIMOSIA DA LUZ

Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho (de Passos/MG)

Opinião: TEIMOSIA DA LUZ
Luiz Gonzaga Fenelon Negrinho é advogado. (luizgfnegrinho@gmail.com)




Há dias em que o sol parece nascer cansado, como se duvidasse do próprio brilho. O ar carrega um leve sopro de outono, e a vida, com seus caminhos sinuosos e imprevisíveis, ensina que a luz nem sempre se revela em clarões. Muitas vezes, ela se esconde em lampejos tímidos, num fio de fé que teima em brilhar, mesmo quando tudo ao redor parece desabar.

 Acreditar não é esperar de braços cruzados. É lançar sementes ao chão árido, confiando no tempo, ainda que a chuva não dê sinal de vir. Guimarães Rosa, esse mestre das palavras, já nos alertava que “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. E é na travessia que a força se revela – esse impulso invisível que empurra adiante, mesmo quando o chão some sob nossos pés.

 Machado de Assis, por sua vez, conhecia a alma humana com a delicadeza de um relojoeiro. Entendia que a crença no amanhã, muitas vezes, se disfarça de teimosia. Mas o que seria de nós sem essa obstinação bendita? Capitu, com seus olhos de ressaca, sabia bem que a esperança se esconde em marés imprevisíveis, ora revoltas, ora serenas, sempre misteriosas. Joaquinzão, no sertão de Graciliano, também entendia que, mesmo na seca, a vida não se rende: persiste, resiste, teima. O amor persiste porque há algo que o alimenta. O perdão brota porque se acredita no recomeço. Até o silêncio em si guarda um sopro de renovação, como quem espera que o outro compreenda aquilo que ficou preso entre as palavras não ditas.

A confiança no futuro não grita, não impõe. Sussurra, fala baixinho. Mora no olhar de quem aguarda a volta de um amor, no aperto de mãos que selam reconciliações. Está no voo do pássaro que retorna ao ninho, no broto que rompe a terra seca, no coração que insiste em bater, mesmo após as maiores tempestades. Se, por vezes, parece sumir, não se engane: essa força nunca morre. Adormece. Recolhe-se num canto escuro da alma, silencia-se no cansaço dos dias difíceis. Mas, no momento certo, desperta. E quando desperta, é como um clarão que rasga a escuridão, um vento fresco que sopra sobre a alma, um sorriso que nasce sem aviso.

Porque a vida é cheia de mistérios, e no fundo, o que nos move é sempre essa centelha invisível. E ela, ah… essa não falha. Pode tardar, mas nunca se nega. Como um sol teimoso que, mesmo diante das noites mais longas, sempre volta a brilhar.

Pensando bem, talvez, no íntimo, Machado e Graciliano soubessem disso. Um, com sua fina ironia, revelou a esperança disfarçada de humanidade. O outro, seco e denso como o sertão, mostrou que até na aridez brota a teimosia do viver. Ambos sabiam que essa chama, esse fio de luz que resiste ao tempo, é o que impede o homem de sucumbir ao peso dos dias. E talvez, só talvez, seja nela que reside o verdadeiro milagre da vida. Afinal, a existência se sustenta na presença teimosa da luz.