Opinião: Vale basear a pensão alimentícia em salário mínimo ou compensá-la?

Maria Lucia de Oliveira Andrade (de Formiga/MG)

Opinião: Vale basear a pensão alimentícia em salário mínimo ou compensá-la?
Maria Lucia de Oliveira Andrade é advogada




Assisti ao casamento dos dois em um findar feliz de tarde. Logo após, em uma recepção simples, mas calorosa, ficamos todos a conversar, fruindo do prazer de rever parentes e atualizar as notícias da família.

Seis anos passados, surpreendo-me com seu telefonema. Quase em tom envergonhado, conta-me que ela e ele decidiram separar-se. É mesmo difícil comunicar o término de um casamento, principalmente a quem participou da festividade do enlace.

Em linhas gerais, diz que não consegue mais levar adiante o relacionamento, principalmente depois das repetidas traições. Como têm um filho pequeno, nascido no final do primeiro ano de casamento, pergunto-lhe se está mesmo certa dessa decisão. Ela me diz que sim, embora saiba quanta tristeza isso causará à sua mãe e à sua avó.

Sei que ela não me telefonou apenas para me comunicar tal fato, por isso pergunto se posso ajudá-la de alguma maneira. Ela diz ter dúvidas sobre a pensão alimentícia, pois ele já deixou claro que ela será, no máximo, um percentual de 30% do salário mínimo.

Está preocupada, pois o filho faz um acompanhamento fisioterápico imprescindível e estuda em escola particular. Mesmo que, na escola, tenha uma bolsa de 50% da mensalidade, teme não conseguir mantê-lo ali. Somados ao valor que cabe a ela contribuir para a manutenção do filho, 30% do salário mínimo serão insuficientes para cobrir isso e custos com moradia, alimentação e vestuário.

Explico a ela que a pensão alimentícia é calculada sobre um percentual do salário mínimo quando se trata de trabalhador autônomo, sem carteira assinada, ou quando não há possibilidade de aferir o rendimento mensal do alimentante, que, no caso, é o pai da criança. Pelo que eu sempre soube, ele trabalha com carteira assinada, portanto não deve ser calculada dessa forma. Ela me confirma que ele continua trabalhando com carteira assinada.

Então, oriento-a a não concordar com a proposta dele de atrelar a pensão alimentícia ao salário mínimo. Sugiro que peça a vinculação dessa pensão aos rendimentos líquidos dele, isto é, depois de já terem sido descontados os valores referentes ao imposto de renda e ao INSS. Dessa forma, sempre que houver reajuste dos ganhos, a pensão será reajustada, evitando defasagem. A pensão, nesse caso, também incidirá sobre férias e13% salário, bem como sobre valores de gratificações, comissões e horas extras que ele venha a receber. Ressalto que ela deve requerer que a pensão seja paga por desconto direto em folha de pagamento, para evitar desgastes com futuras cobranças.

Ela me pergunta se, além do percentual estabelecido, pode requerer que o ex-marido assuma a metade das despesas com plano de saúde, dentista e medicamentos. Poder, ela pode. Porém, o Juízo, ao analisar os pedidos dela e os argumentos do ex-marido, levará em conta as necessidades da criança, a capacidade financeira do pai, bem como observará o critério da proporcionalidade. Prover as necessidades do filho é dever que cabe ao pai dele, mas também a ela, que é a mãe.

“E se ele pagar o aluguel e o plano de saúde sozinho? Ele poderá descontar essa quantia do valor da pensão alimentícia?” Respondo que, em regra, vigora o princípio da não compensação dos valores relacionados à pensão alimentícia, isto é, salvo em raras exceções, pagar diretamente algumas despesas essenciais não dará direito ao pai de descontar da pensão os valores gastos. Pode ser entendido que, se já havia sido estabelecida uma pensão por via judicial, assumiu-as porque quis.

 Explico que a pergunta dela se refere à prestação de alimentos in natura, isto é, prestados em espécie, e não em dinheiro, por exemplo, pagamento de despesas escolares, de plano de saúde, de tratamento odontológico, etc.  Já a pensão alimentícia é o pagamento de um valor combinado entre as duas partes ou fixado pelo Juízo.

Se foi determinado, em ação judicial, que a pensão deve ser paga em dinheiro, como um percentual dos rendimentos do pai, assim deve ser feito, para evitar futura cobrança por descumprimento. Se o pai e ela tiverem interesse em que se abata do valor da pensão alimentícia alguma despesa de manutenção do filho, o ideal será requerer isso na ação judicial. O Juízo avaliará se a despesa tem mesmo natureza alimentar e se é cabível o desconto.

O que não deve ocorrer, de maneira alguma, é a pensão alimentícia servir ao enriquecimento indevido de uma das partes. Quando isso acontece, a regra da não compensação pode ser mitigada, isto é, flexibilizada, pois o objetivo da pensão é prover as necessidades do filho, para que tenha uma vida digna.